novembro 23, 2007

levantou-se


Levantou-se, empurrada pelo calor do quarto e o sol do lado de fora fazendo as pessoas pedirem perdão, pronunciando todas, atordoadas, todas ao mesmo tempo, a palavra sono. Ela, sibilava forte, o que fremia em desvelo os corpos presos aos carros da cidade em redor. Nervosos porém, ninguém devolvia o assobio agudo. (O mínimo que poderiam fazer!)
Sim, levantou-se então e mesmo assim. Ela deveria deixar o mínimo, de desespero. Por que continuar se sabia que o barulho do suposto telefone seria mais alto que todos os sibilos de sono morto, induzido por coliformes fetais em água da rede de distribuição e manutenção biológica, instituição esta honradamente montada a fim de assegurar a segurança e o conforto dos cidadãos pagantes, como diziam solícitos os jornais.
Não havia como se desvencilhar. O resto não importava. Estava posta iminente como um dejá-vu ainda desconhecido. Hora certa. No despertador. Escolhido reflexo. Dois passos em direção à pia da cozinha.
Pega em ato um invasor curioso e meticuloso. Espanto! Ainda mais arguto que as racionalizações às quais se colocava diariamente. Meticulosidade de pelo, de unha. Espertamente ciente de sua condição, olha furtivo pra ela, a controladora daquelas paredes em pé, e sai num curisco.

Ela, já plenamente envolvida de necessidade e urgência, sai atrás,
desapoiada das paredes. Pequenos passos fora e pára, sentindo não mais seguir algo em movimento. Passado o susto, em meio a ínfimos segundos, sagaz calma suspensa, se encaram: uma gata e ela.
A gata, simplesmente olha fundo, pula libertinamente sutil pra cima do muro e, em seu infalível andar, se aproxima da moça do quarto quente e escuro, sem descuidar do olhar fixo e insuperável. A gata no muro do longo corredor, onde embaixo, estava a menina do quarto, fitando. Olhares e ares de cumplicidade e desejo.
Foi o começo e o fim de uma afinidade perigosa. E a garota nao voltou pro quarto por um bom tempo.

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