agosto 31, 2007

zumbido



ele desapareceu. e eu não estranhei. o quanto desejei a sua morte. eu o dilacerava em estilhaços apodrecidos. elaborava estratégias cruentas. sua voz me ensurdecia. seu rosto sujo e entranhado me enojava. sua possível presença em mim me torturava. não fez portanto mais que a obrigação tantas vezes negligenciada com paixão doentia.
e eu que achei que o havia matado, aliviada. dia desses (hoje) ele tomou a liberdade de me ser útil. não que eu precisasse. apenas por ignorância o permiti.
ele, esbaforido. olhos vermelhos. pés repletos de calos. cascas opacas ao seu redor. distância e impaciência exalando.
cada passo seu e me repele. eu desejo que se cale. desejo que se mastigue. que vire vomito longe daqui. desejo tão sonhado. ânsia de dor finita.
subitamente descubro que por rapidez (falta de preparo?) construo uma estrutura de vidro. (poderia ser outra?). prédio alto. vazio e abrangente. límpido e de vidro. circundado por grama. onde posso entrar se quiser. eu quero. dentro é aconchegante e frio. paisagem escura refletindo pontinhos de estrelas.
olho dentro de uma das janelas. procuro algo. quero, pego-o. o prédio em minhas mãos. todo liso, formas contínuas e retas. talvez se eu fosse vidro. talvez eu gostasse.
e os gritos saem da terra ansiosos. atrás de mim. cores infantis. correria. o prédio balança.
me protejo endurecendo o céu. ninguém me . lampejos e fios de cabelo. estou na minha cama e o lençol me prende. eu emaranhada encostada no teto. muita água e eu reboco de parede. e eu presa num banheiro cheio de ecos.
respiro fundo. os olhos tateiam o escuro. expiro. os seres amorfos por enquanto desistem.
mas infelizmente ainda ouço o ronco da sala. até amanhã ele ainda ali acorda.
depois de amanhã, nunca mais o deixo voltar.

agosto 17, 2007

tarde



uma luz se acende. sento à janela. ao meu redor, a noite. na noite, seu rosto. na luz o passado.
no presente a dúvida. na janela um soluço.
o choro está seco. nele adormeço.
será tarde? o relógio, parado. o relógio na parede grossa. na parede a luminária verde.
no verde o cheiro esquecido de sua boca.
não quero saber a hora. não quero saber do tempo. bem passado todo o tempo. agradeço. a luz se apaga.

Pétala



silêncio inocente
não vê quem sente
sua latência
repleta de carência
por isso nao importa (se)
suave vaga
enquanto em indolência
passa sua tinta branca
e insana na grama

e se esconde

fica refletido nas entrelinhas
suspirando solenemente

quem cismar
pode gritar
e no eco se olvidar
se batendo se debatendo
...indo...
simples sopro soltando socos em nossos rostos

agosto 15, 2007


Um amor, um culto de sonho, a que nenhuma realidade serve de alicerce... E que me decompôs.

Na gaveta da escrivaninha, nadando entre mil quinquilharias. Num desenho inanimado pintado com lodo.



Depois de sete anos de azar ela quebrou o espelho.

Podem passar o lençol comigo embaixo, por favor.

noite


arquiteta da minha pele,
quando depois do suor
suas mãos em mim pousam,
meu corpo se suspende
e acima do amor
abaixo da dor
só o que me interessa
é seu frescor

salame com todinho


I-me-di-a-to
ao meio-dia
medito
o hiato me
azucrina
me dita
a doutrina
da mídia

a noite me distancia

eu me iludibriando...


Tenho um causo novo. Uma menina distraída e um pouco desastrada passou para visitar e espirrar um pouco de água da chuva em sua, digamos, lover-coisa-do-tipo, e tentar sentir seu cheiro nas folhas de papel penduradas no varal da varanda.. nisso, encontrou um papel amarelado se limpando de um pouco de pó. Resolveu, curiosa, atentar para o desbotado daquilo, mas sem se empoeirar também. Percebeu assustada, em uma olhada nada transversal ou paralela, um detalhe inesperado e lúgubre, que figurava nas entranhas, entre as fibras do papel, quase podendo sentindo as peles mortas da pessoa que em algum momento indiferente se apoiara ali para que se escrevessem, talvez, sonetos improvisados..
Nesse momento mínimo sentiu uma dor lancinante recoberta por um langor libertino injuriado e desejavelmente injustificada. Espirrou, sacudiu a poeira, atirou o papel longe - com um pequeno rasgo incontrolado na ponta - seja lá o que fosse aquilo e continuou o passeio pelo circo do castelo.
Nessa caminhada longínqua, resolveu que se lavaria de saliva e não mais procuraria papéis amarelados como aquele, porque achava, notoriamente sublimado, que tivera alergia a essas procuras humanas e inúteis!

Espasmo



Não me contenho. Meu ser está sentado na poltrona do hallme anotando, me indignando. Ao longo dos meus braços, a membrana pasma flutua em segundos tantos que exacerba as considerações infernais. Enquanto isso, no lustre do esqueleto, divago em dialetos ensopados, com sabor da primeira hora mais velha; devorados incondicionalmente, em pratos quaisquer que estivessem colocados à mesa.